terça-feira, 12 de março de 2013

Um raio-X da multidão - Nelson Rodrigues – Obra aplicada

A obra de Nelson Rodrigues aplicada às questões da vida.

Este é um tema delicado e dependendo do enfoque pode tornar-se extremamente delicado. Porém, uma das coisas que aprendi na vida é que se for preciso, temas delicados devem ser tratados e para isso devem ser levadas em consideração as condições oportunas para esse tratamento. Aliás, o tratamento de temas delicados é o que mais foi feito por Nelson Rodrigues.

Sabe-se que o ser humano é um ser social. Os diversos tipos de relacionamento humano são necessários à sobrevivência e ao desenvolvimento da espécie. Porém, a dificuldade está no relacionamento. Nas linhas a seguir, o tema multidão será abordado com foco nos aspectos do relacionamento humano que necessitam ser melhorados. Vale ressaltar que este texto, assim como qualquer outro, não tem como alcançar todos os aspectos do tema em questão. E se isso é óbvio e realmente o é, então lanço mão desta frase: "Se isso parece óbvio, direi que o óbvio também é filho de Deus." (Nelson Rodrigues, em O Reacionário, 2008, pág. 25)

A multidão teve a sua vez de ser abordada na obra de Nelson Rodrigues e em um dos aspectos tratados deste tema o escritor mostrou uma face desagradável de tal agrupamento:

"Sempre digo que a multidão é inumana porque não tem cara." (Nelson Rodrigues, na crônica O Leque foi um Momento; O Óbvio e Ululante)

E justamente por não ter "cara", muitos consideram que estão protegidos pelo anonimato quando fazem parte de um grupo. Alguns destes, por ignorância ou no mínimo por ingenuidade – o que não deixa de ser por ignorância -, acredita que o indivíduo não tem responsabilidade pelos atos do grupo, haja vista que se comportam como se isso fosse verdade. Sozinhos não fariam (agiriam, falariam,...) uma boa parte do que fazem quando estão em grupo.

"Homens; classes, povos são suscetíveis dos mais sinistros enganos ou das mais hediondas torpezas." (Nelson Rodrigues, no texto Os abnegados; A Cabra Vadia)

"Napoleão, o Grande, só foi possível porque a Europa estava saturada de pequeninos napoleões." (Nelson Rodrigues, no texto O Brasil Nazi-Stalinista; A Cabra Vadia)

Não é necessária nenhuma tese acadêmica para ficar claro que o indivíduo comporta-se de formas diferentes quando só e quando está em grupo. Vemos isso no dia a dia e nós mesmos somos assim, isto porque os valores individuais são vetores que irão formar o vetor resultante, que é o vetor do grupo. Francamente, não há como negar este estado do comportamento humano, a não ser que se queira tampar o sol com peneira.

"Nem considero a unanimidade um argumento decente." (Nelson Rodrigues, no texto Os abnegados; A Cabra Vadia)

"O Maracanã vaia até minuto de silêncio." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 251)

"A torcida é a mãe de pouco amor." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 265)

E por falar em vetores, nos casos aqui tratados, eles nada mais são que a representação dos valores de um indivíduo e a resultante dos valores de um grupo.

"O próprio tema da multidão como sinônimo de mediania mental, de falta de individualidade, foi frequente em sua produção." (Luíz Augusto Fischer, no livro Inteligência com dor, 2009, pág. 128)

A idéia de agrupamento humano muitas vezes é utilizada para objetivos poucos nobres. Há quem se aproveite disso para benefício próprio. Reconhecer que isto acontece na sociedade humana não é difícil, desde que se esteja em condições e disposto a enxergar. A cada passo que damos nos deparamos com estas situações que aviltam a condição humana. Portanto, reservar um tempo para verdadeiramente ser indivíduo é fundamental para não ser levado como folha ao vento, para não ser levado por uma corrente sem saber o motivo de estar nela. Pare! Pense! Sinta! E então decida!

"Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar." (Nelson Rodrigues, no site da TV Cultura)

"Nelson faz questão de individualizar-se, de ser apenas ele próprio, com todos os riscos." (Luíz Augusto Fischer, no livro Inteligência com dor, 2009, pág. 218)

"Ele (Nelson Rodrigues) não era de partido, não era de igrejas, não era de esquerda ou de direita, não era da Academia (nem a de Letras, nem a universitária), não pertencia a grupos de opiniões, nem a "panelas" de nenhuma espécie." (Sonia Rodrigues, filha de Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 10)

"Cada qual assume a forma impessoal, numerosa e irresponsável da assembléia, do comício, da comissão, do manifesto, da passeata e da unanimidade. Só agimos, só sentimos, só amamos e só odiamos em massa. Sim, estamos todos massificados. E cada um sente, como no epitáfio de Rilke, a volúpia de ser ninguém. O sujeito se dissolve na passeata, na assembléia, na unanimidade." (Nelson Rodrigues, no texto As cabeças rolantes; A Cabra Vadia)

A nossa sociedade ainda deixa muito a desejar no que diz respeito à convivência, aos agrupamentos humanos (família, sindicatos, relacionamentos de trabalho, grupos escolares, torcidas ligadas aos esportes, grupos religiosos, grupos políticos,...). O ser humano é um ser social, mas ainda não entendeu como utilizar positivamente esta característica natural. Ele se comporta como um ser extremamente individualista e não como um ser social. Entendo que Nelson Rodrigues via que as multidões, que as maiorias, mostravam-se inumanas, irresponsáveis, intolerantes, dentre outras coisas. Além disso, mostravam-se fáceis de serem manobradas com objetivos pouco nobres.

"O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência." (Nelson Rodrigues, no livro Entrevistas, Clarice Lispector, 2007, pág. 29)

"Trezentas pessoas reunidas constituem um bloco monolítico de incompreensão, frequentemente de estupidez." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 261)

"Não estarei insinuando nenhuma novidade se afirmar que nunca houve uma multidão inteligente." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 249)

"O indivíduo que esboçar um esgar de inteligência há de ser, sempre, um solitário e um escorraçado. Um idiota está sempre acompanhado de outros idiotas. Mas nenhum ser é menos associativo do que o inteligente." (Nelson Rodrigues, no livro Inteligência com dor, 2009, pág. 5)


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