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quinta-feira, 7 de março de 2013

Peculiaridades nos textos de Nelson Rodrigues (1)

Para compreender as ideias e as expressões usadas por Nelson Rodrigues é necessário conhecer o contexto no qual ele as empregava. As expressões mudaram – até porque a língua muda, ela é viva -, mas a essência das ideias dele continua atual. Além disso, algumas expressões que ele utilizava passaram a fazer parte do rol do politicamente incorreto; pura hipocrisia.

Pode parecer que estou a admitir que Nelson Rodrigues está ultrapassado, mas minha opinião está longe disto. Ele está mais para profeta do que para escritor ultrapassado. Afinal, o ser humano não mudou o suficiente para que as ideias dele se tornassem ultrapassadas.

Nelson Rodrigues declarou que ao desenvolver um texto, ele pensava mais do que escrevia. Ele não escrevia ao acaso, ele sabia o que e como queria expressar. É possível observar algumas peculiaridades nos textos escritos por ele. É necessário deixar claro que o texto que escrevo não tem o objetivo e não tem como esgotar este assunto. Além disso, o que escrevo são minhas impressões pessoais, apenas impressões que têm o objetivo de provocar reflexões.

Nelson Rodrigues utilizava expressões e estilos que chamavam, e que chamam até hoje, a atenção. Tais expressões eram cultivadas e cunhadas nos inúmeros textos (crônicas, contos, peças teatrais,...) escritos por ele, nas entrevistas que ele concedia e nas conversas informais.

Entendo que estas expressões tinham objetivos definidos por ele (chamar a atenção para a leitura, economizar palavras com códigos conceituais, ...). Ele as utilizava com propósitos e não de forma casual.

Em uma de suas crônicas, ele cita uma conversa com um milionário paulista. Nesta conversa, o milionário diz que para ele importa a forma, sim a forma dos textos de Nelson, o Rodrigues. É justamente a forma que desperta o interesse, de muitos até hoje, pelos textos dele.

"Impressionado quis saber: - 'O senhor acha que eu tenho sido justo com o Piauí?" Reagiu com fervor estilístico do parnasiano: 'Não me interessa a justiça. Só me interessa a forma, Dr. Nelson, a forma!' " (Nelson Rodrigues, no texto O grande homem; O Reacionário)

Vamos conhecer alguns dos artifícios:

E haja hipérbole.

O que não falta nos textos de Nelson Rodrigues são as hipérboles. E haja hipérbole. Para Nelson, o Rodrigues, uma palavra é sempre mais que uma palavra. Uma expressão é sempre mais que uma expressão. E assim, palavras e expressões são infladas de contexto e desta forma, dão características hiperbólicas aos textos dele.

"Há dias em que me sinto mais árido do que três desertos." (Nelson Rodrigues, no texto Robinson Crusoé sem radinho de pilha, O Óbvio Ululante)

"Todos nós temos histórias que encheriam uma biblioteca; qualquer um pode fazer três mil volumes sobre si mesmo." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 14-15)


E a dramaticidade?

Tem como não falar de dramaticidade nos textos de Nelson Rodrigues? Claro que não, é um dos aspectos mais evidentes.

Entendo que Nelson Rodrigues usava este artifício com o objetivo de despertar o leitor para que a essência contida no texto fosse observada e para que ela permanecesse viva. A essência não poderia estar morta, ela tinha de ter vida. Ele não era, como na expressão que ele cunhou, um idiota da objetividade.

"A nossa opção, repito, é entre a angústia e a gangrena. Ou o sujeito se angustia ou apodrece." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 69)

"...o desenvolvimento humaniza a máquina e maquiniza o homem. O escritor patrício (Otto Lara Resende) teve vontade de conversar com as máquinas e de lubrificar as pessoas. (Nelson Rodrigues, em O Reacionário, 2008, pág. 31)

"Sem alma, não se chupa um Chicabon, não se cobra nem um arremesso lateral." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 254)

"E, pelo resto da noite, sofri, sem um gemido, o sarcasmo de uns sessenta casais." (Nelson Rodrigues, no texto O pai anônimo; O Reacionário)

"Depois da revolução de 30, e até 35, eu e toda minha família conhecemos uma miséria que só tem equivalente nos retirantes (sic) de Portinari. [...] Eu e meu irmão Joffre passamos fome e foi a fome que estourou nossos pulmões." (Nelson Rodrigues, no texto O menino de Pernambuco; O Reacionário)

"O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência." (Nelson Rodrigues, no livro Entrevistas, Clarice Lispector, 2007, pág. 29)


O lirismo de Nelson, o Rodrigues.

Seria um descuido imperdoável deixar de evidenciar o lirismo nos textos de Nelson Rodrigues.

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista." (Nelson Rodrigues, na primeira página do livro O Anjo Pornográfico)

"Eu sou um romântico quase caricatural. Acho que todo amor é eterno, e se acaba, não era amor." (Nelson Rodrigues, no livro Entrevistas, Clarice Lispector, 2007, pág. 30)

"Minha família morava diante do mar. Mas o mar antes de ser paisagem e som, antes de ser concha, antes de ser espuma - o mar foi cheiro." (Nelson Rodrigues, no texto O menino de Pernambuco; O Reacionário)

"Eu sinto a bondade contra-feita do médico, a sua compaixão não confessa, apenas insinuada. Minha vontade foi fazer-lhe, à queima-roupa, a pergunta: — 'O senhor acredita na ressurreição de Lázaro? '. " (Nelson Rodrigues, cap. 11; A Menina sem Estrela)

"O grande medo. Não era a primeira vez que o sentia na carne e na alma. Meses
atrás, vivera um desses momentos de pavor que ninguém esquece." (Nelson Rodrigues, cap. 28; A Menina sem Estrela)


Sem dó, nem piedade.

A contundência é uma das características que Nelson Rodrigues mostrava em seus textos.

"As senhoras me diziam: 'Eu queria que seus personagens fossem como todo mundo'. E não ocorria a ninguém que justamente, meus personagens são 'como todo mundo': - e daí a repulsa que provocavam. 'Todo mundo' não gosta de ver no palco suas íntimas chagas, suas inconfessas abjeções." (Nelson Rodrigues, no texto Os que propõem um banho de sangue; O Reacionário // Nelson Rodrigues, no livro Inteligência com dor, 2009, pág. 205)

"Se não existisse no homem o lado podre, se não existisse no fundo de cada qual a lama inconfessa e encantada, também não existiria a indústria cinematográfica." (Nelson Rodrigues, no texto Os abnegados; A Cabra Vadia)

"Napoleão, o Grande, só foi possível porque a Europa estava saturada de pequeninos napoleões." (Nelson Rodrigues, no texto O Brasil Nazi-Stalinista; A Cabra Vadia)

"O sujeito, para viver, ou sobreviver, enterra o próprio espírito, como as jóias de Raskolnikov. E, se for preciso, ele finge debilidade mental e põe-se a babar na gravata, copiosamente." (Nelson Rodrigues, no texto Os falsos cretinos; O Óbvio e Ululante)


As metáforas facilitam o fluxo.

Metáforas para as quero? Nelson Rodrigues sabia para quê as queria. Elas dão um fluxo fácil e agradável para a leitura de seus textos.

"Minhas noites são uma pesada selva de insônias. Às três da manhã estou acordado, às quatro estou acordado. Se consigo dormir às cinco, tenho vontade de abrir os braços para o alto e gemer: - 'Eu não mereço tanto!' " (Nelson Rodrigues, no texto As insônias exemplares; O Reacionário)

"O cinismo escorre por toda parte, como a água das paredes infiltradas." (Nelson Rodrigues, no texto Os cínicos; O Reacionário)

"Infelizmente, não tenho nem a saúde física, nem a saúde mental de uma vaca premiada." (Nelson Rodrigues, no texto Flor de Obsessão, A Cabra Vadia)

"Aquele que não acredita na ressurreição de Lázaro não deve tentar a medicina." (Nelson Rodrigues, em O Reacionário, 2008, pág. 85)

"A leitora de orelhas começou assim: 'O Brasil é um país de quinta ordem!' " (Nelson Rodrigues, no texto Uma bica entupida há mil anos; O Reacionário)


O impacto dos paradoxos.

A forma, sempre a forma. Pois é, algo admirável nas obras de Nelson Rodrigues é a forma como ele apresentava suas opiniões. Com isto não quero dizer que as essências delas não têm valor. Quero dizer, e repito, que é admirável a forma como expunha suas opiniões. Entendo que o choque de considerável impacto era o objetivo dele. O uso de paradoxos facilita alcançar este objetivo e, consequentemente, provocar reflexões.

"Eu sou reacionário porque sou pela liberdade." (Nelson Rodrigues, em nelsonrodrigues.com.br)

"...a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal." (Nelson Rodrigues, no livro Entrevistas, Clarice Lispector, 2007, pág. 28)

"Em nosso século, o 'grande homem' pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 265)


Sem eufemismos: canalha, ser ou não ser...

Nelson Rodrigues empregou em diversos de seus textos a palavra canalha. Ele a empregava no sentido mais estrito da torpeza que ela representa, como um ponto de exclamação, com o mesmo objetivo de um ponto de exclamação, ou seja, para dar ênfase, para dar intensidade à essência do texto. Nelson Rodrigues não era afeito a eufemismos, mas à contundência das palavras. Aliás, isto está claro nos textos dele.

"Hoje é muito difícil não ser canalha. [...] Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo." (Nelson Rodrigues, no texto O ex-covarde; A Cabra Vadia)

"Se eu apoiasse qualquer ato de violência, da direita ou da esquerda, seria um canalha." (Nelson Rodrigues, no texto O Brasil Nazi-Stalinista; A Cabra Vadia)

O texto a seguir tem o mesmo sentido que um texto atribuído a Vicenzo Globerti no qual consta a afirmativa de que os maiores inimigos da liberdade não são aqueles que a oprimem, mas sim aqueles que a sujam.

"Dirá alguém que, com o tempo e o uso, todas as palavras se degradam. Por exemplo: — liberdade. Outrora nobilíssima, passou por todas as abjeções. Os regimes mais canalhas nascem e prosperam em nome da liberdade." (Nelson Rodrigues, no texto A euforia de um anjo, O Óbvio Ululante)


Ironia e sarcasmo.

Algumas vezes ao expor suas opiniões, Nelson Rodrigues trocava as formas claramente contundentes pelo uso do sarcasmo e da ironia. Ele fazia com que estas duas últimas formas de expressão mostrassem, com não menos poder de incisão, as suas opiniões.

"Sou uma flor de obsessão." (Nelson Rodrigues, em entrevista a Otto Lara Resende)

"Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos." (Nelson Rodrigues, no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, 2012, pág. 253)

"...a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal." (Nelson Rodrigues, no livro Entrevistas, Clarice Lispector, 2007, pág. 28)

"Acabava de conversar com uma grã-fina, justamente a que lera as orelhas de Marcuse [...] A leitora de orelhas... (Nelson Rodrigues, no texto Uma bica entupida há mil anos; O Reacionário)


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